quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Dream about your love

Entrei no trem, com os cabelos ainda bagunçados pelo vento da estação.
Sentei-me maquinalmente no primeiro assento que vi. Não precisava correr, pois naquela hora o metrô estava sempre vazio. Apenas um ou outro executivo voltava da hora de almoço isolado por um fone em cada orelha.
Esquecida de ser o metrô um lugar público, sorri com satisfação. A música que saía dos meus fones me fazia lembrar dele. Comecei a rir dos clichês tão óbvios e tão eternos que vivia naqueles dias.
Me senti olhada. Reparei que todos me observavam, talvez se perguntando o porquê do meu sorriso idiota. Baixei a cabeça. Não conseguia me conter. A alegria me inundava toda por dentro, nascia lá no meio do peito e subia em ondas incontroláveis que eu não conseguia disfarçar.
Passei os olhos pelas pessoas no metrô. Bem na minha frente, havia uma mulher de casaco vermelho que também sorria. Olhava pras próprias mãos e sorria, completamente alheia ao movimento do trem, à chegada e à partida de pessoas nas mais variadas estações.
Estivesse eu com outro humor, pensaria que a mulher estava louca. Teria raiva. Era crime passível de prisão perpétua sorrir sem motivos no metrô. Sendo aquele um dia chuvoso de segunda-feira na maior metrópole do país, a qualquer momento nós duas poderíamos ser ejetadas dos assentos para ter uma morte dolorosa e lenta entre o trem e a plataforma.
Os olhares se cruzaram. Trocamos outro sorriso, dessa vez de cumplicidade. Sabíamos o que ia no coração uma da outra. Nós duas tínhamos a mesma luz, a mesma devoção, a mesma... felicidade. O mesmo amor. Caminhávamos tentando esconder, mas era inútil. Fingíamos produtividade no trabalho, mas tudo que a gente via quando o chefe se distanciava era o amor, que enchia tudo de vida e fazia todas as tabelas de Excel parecerem inúteis.
Se amar era crime, então que chamassem toda a Cavalaria para fazer a prisão. Nós duas amávamos loucamente, e agora parecia que todos no vagão sabiam.
Não fosse a pequena aglomeração de pessoas pra descer na estação Ana Rosa, a distraída mulher continuaria pela eternidade ali, sentada no mesmo banco de metrô, sentindo amor. Ela respirou fundo, esfregou as mãos e levantou, resoluta.
A mim, pareceu que o seu amado estava esperando, paciente, ao final da escada rolante. Pareceu que ela se encorajava ainda mais pra encontrá-lo, como se a catracada da estação fosse um trampolim do qual ela finalmente mergulharia sem reservas na alma do seu grande amor.
Desejei boa sorte pra mulher de casaco vermelho. Eu a entendia profundamente. Quase eu também perdi minha estação-destino.
Reprovassem o quanto quisessem, os engravatados sufocados. Os mal-humorados de plantão. Os não-apaixonados com uma nuvem preta acima da cabeça. Eles pouco importavam, pois a mulher de casaco vermelho entendia meu sorriso de orelha a orelha.
Saí do vagão com muitas certezas em mente. O amor ainda existia em sua forma mais primitiva. Que existisse só nos olhos de duas mulheres aleatórias no metrô, ele ainda estava lá e provocava reações por onde quer que passava.
Quando saí da Estação Brigadeiro reparei, com satisfação, que a garoa tinha parado e que o sol estava brilhando, vitorioso. Eu sabia o porquê. A mulher de casaco vermelho sabia porquê. Tínhamos vencido.



"So dream, babe, about the one you love.
This way you're gonna fill the world with love.
This way you're gonna face all your days with certainlies.
Babe, babe, babe, dream about your love."
Vanguart

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