sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Telefone

O telefone tocou. Pra variar, não era engano.
- Por favor, a senhora Giovanna?
- Sim, é ela mesma.
- Boa tarde, aqui é da Mastercard, tudo bem com a senhora?
- Você quer REALMENTE saber?
- Bom, estamos ofererendo cartões de crédito com vantagens especiais para a senhora e...
- Com quem falo?
- Com o Vanderlei, senhora, aqui é da Mastercard...
- Então Vanderlei, você me perguntou se está tudo bem, não é isso? Digo que não, não está. Fui demitida, estou na quinquagésima decepção amorosa, minha louça está suja e não tem nem um copo limpo pra beber água, o gás acabou ontem, o leite também, tenho um trabalho pra amanhã que eu nem comecei, a porta do meu guarda-roupa está quebrada, meus amigos estão ocupados demais pra me ajudar com qualquer coisa...
- Entendo, senhora Giovanna, estou te ligando em nome da Mastercard para oferecer...
- Pois é, Vanderlei, eu estou muito decepcionada com a vida, entende? Sinto como se tudo que antes tinha muito valor agora está murchando sem o meu controle. Sinto como se toda a minha vida estivesse lentamente se resumindo a nada e como se meus sentimentos bons estivessem todos indo pra um lugar muito longe sem possibilidade de retorno.
- Entendo, senhora Giovanna, mas nós, da Mastercard...
- Sabe, sinto que tudo ao meu redor tem muito mais a me oferecer, mas não sei o que falta, nem o porquê. Hoje em dia não temos estímulo externo suficiente para entender a nós mesmos ou descobrir o que queremos do mundo, não é mesmo?
- Sim, mas com as vantagens especiais do cartão de crédito Mastercard...
- Aí é que está o problema, né? Você me perguntou se está tudo bem mas na verdade você não se importa realmente. Ninguém se importa. Cumprimentamos pessoas em situações sociais e todas perguntam o automático "tudo bem?" só esperando a regular resposta afirmativa. Acontece que a minha resposta não é afirmativa, você entende? NÃO É. Não posso continuar a mentir, mas ao mesmo tempo não posso expor meus reais sentimentos porque ninguém quer saber. Todos também estão afirmando uma mentira e têm problemas demais afogados em suas patéticas rotinas individuais, você não acha, Vanderlei?


Som de ocupado. Desligo. Ninguém assistiu ao enterro da minha última quimera.
Essa lei de cada um com seus problemas é tão mais cansativa.
Todas essas portas de comunicação fictícias entre seres humanos pra nada, porque estamos tão separados que nem toda a tecnologia do mundo vai juntar.
O telefone, por exemplo. Quase nunca toca e, quando toca, são só bonecos de plástico com vozes gravadas do outro lado da linha.
Não serve pra nada.



"Não escrevo a partir da sabedoria
quando o telefone toca
eu também gostaria de ouvir palavras
que pudessem aliviar um pouco alguma
dessas coisas.

é por isso que meu nome está na
lista."
Bukowski.

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